O patriarcado e o sobrenome “de solteira”

De todas as coisas boas que minha mãe fez por mim ao longo da vida, sempre considerei que facilitar meu nome foi a melhor de todas. Eu tenho um nome e um sobrenome. Só. Simples assim. Não tem nome do meio, não tem 15 sobrenomes de 15 linhagens diferentes da família. Kelli Kadanus. Simples, direto e impactante. 

Ano passado eu li uma reportagem na BBC Brasil sobre a decisão das mulheres de adotar (ou não) o sobrenome do marido depois do casamento. A matéria trazia dados de uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, onde cerca de 70% das mulheres adota o sobrenome do marido. No caso das mulheres britânicas, esse número é de quase 90%. 

A mesma reportagem traz um alerta feito pelo professor da Universidade de Bradford, que estuda vida familiar e tem pesquisado especificamente a adoção de sobrenomes dos homens, Simon Duncan. “Isso perpetua a ideia de que o marido tem autoridade, reproduzindo a tradição de que o homem é o chefe da família”. 

Eu nunca cogitei adotar o sobrenome do meu marido ao casar, por vários motivos. O principal deles é que eu gosto de ser Kelli Kadanus. Eu me identifico com esse sobrenome, que vem da família do meu pai. Nós temos uma identidade como família que, a meu ver, vai além do sangue, é um estilo de vida. 

Eu tenho todos os traços de um Kadanus que as pessoas que conhecem a minha família de perto são capazes de listar. Eu tenho muita facilidade para dormir em qualquer situação, eu sou uma pessoa extremamente teimosa e frequentemente mau humorada e ando arrastando os pés no chão (o que irrita profundamente a minha mãe). Tudo isso, como diz a minha mãe, é “coisa de Kadanus”. 

Mas eu também tenho todas as qualidades inerentes à família. Apesar do mau humor que aparece frequentemente, eu consigo ver o lado bom em qualquer situação, fazer piada das desgraças mais inconcebíveis. Eu posso ficar muito brava com alguém da minha família, mas estarei a postos quando essa pessoa precisar. Isso também é “coisa de Kadanus”. 

Sendo assim, faz todo sentido que eu não queira acrescentar um sobrenome a mais à minha identidade, porque eu estou plenamente satisfeita com ela. Para o bem e para o mau. O Kadanus molda boa parte de quem eu sou e é a forma como eu me vejo no mundo, mesmo sendo muito diferente de muita gente que tem o mesmo sobrenome que eu. É o que me conecta com tios, primos, vô e vó. 

Confesso que por muito tempo eu ficava chateada por não ter o sobrenome da minha mãe. Era como se eu não partilhasse de uma parte da vida dela, da família materna, das características que fazem os Stival serem quem são. Talvez isso explique um pouco o fato de eu ser tão mais próxima de tios e primos por parte pai – ou talvez não, só estou divagando aqui. 

Eu não adotei o sobrenome do meu marido porque eu não preciso dele para saber quem eu sou. E também por absoluta preguiça de mudar toda a minha documentação – o que é um pouco “coisa de Kadanus” também. Eu já estou feliz com a minha identidade, com o nome e sobrenome pelo qual as pessoas me conhecem. 

Mas é lógico que eu entendo quem quer se livrar do “nome de solteira”. Nós geralmente temos o nome dos nossos pais. E eu reconheço o quão incrivelmente privilegiada eu sou na relação com o meu pai. Muitas mulheres, por outro lado, querem se dissociar de pais ausentes ou de membros abusivos da família e encontram no sobrenome o meio para fazer isso. E elas estão certas também. 

Embora Simon Duncan nos alerte para a força do patriarcado, a luta que nós, mulheres, travamos contra ele é para que sejamos livres para fazer nossas escolhas. Com ou sem o sobrenome do marido. 

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