Lideranças indígenas sofrem retaliação por protagonismo na COP26, diz Apib

Como efeito colateral da visibilidade na Conferência do Clima (COP26), no início deste mês em Glascow, na Escócia, foram registrados diversos casos de violências contra lideranças indígenas nos últimos dias. A denúncia é da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que acusa o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de incentivar a agressão aos povos indígenas.

“Essa escalada de ataques online e físicos, com casas e aldeias invadidas, prisões arbitrárias, tem um objetivo nítido: tentar silenciar a luta dos Povos Indígenas. Sabemos que essa reação é orquestrada com incentivo de Jair Bolsonaro, presidente que insiste em mentir e atacar os Povos Indígenas quase diariamente”, diz a Apib.

Um do ataques mais contundentes foi vivenciado pela jovem Txai Suruí, após discursar no evento de abertura da COP. Em sua fala, ela destacou a urgência de se discutir ações para frear as mudanças climáticas em curso no planeta. “Não é 2030 ou 2050. É agora”, disse. “Hoje o clima está esquentando, os animais estão desaparecendo e os rios estão morrendo, nossas plantações não florescem como antes. A Terra está falando. Ela nos diz que não temos mais tempo”, completou a indígena. 

Txai Suruí é filha do líder indígena de Rondônia Almir Saruí, uma das lideranças indígenas mais importantes do Brasil. Em 2013, ele ganhou o título de “Herói da Floresta” das Nações Unidas, pelo seu trabalho na conservação da Terra Indígena Sete de Setembro, na divisa entre Rondônia e Mato Grosso.

Txai Suruí foi vítima de ataques racistas e postagens falsas nas redes sociais. “Tenho recebido muitas mensagens racistas e de ódio de gente q acha q por ser indígena não tenho direito de viajar, de ter celular e de amar quem eu quiser”, desabafou a líder no Twitter.

Após o discurso dela na COP26, Bolsonaro afirmou que a indígena foi a Glascow “atacar o Brasil”. Após o comentário do presidente, acusações de que ela seria uma “índia falsa”, “cosplay de índia”, “índia de botox” começaram a se espalhar pelas redes sociais.

Em nota, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) se solidarizou com a líder indígena. “A fala e o espaço ocupado por Txai Suruí na conferência representa a voz dos povos indígenas da Amazônia e do Brasil. Demonstra a luta que estamos travando nos mais diversos espaços, em defesa de nossos direitos, de nossos territórios, da vida e da floresta em pé. Mas também deixa evidente a violência e o racismo estrutural com o qual lidamos diariamente nesse atual (des)governo, que vem implementando, desde sua campanha, uma intensa agenda anti indígena, além de inflar e apoiar discursos de ódio contra nós”, diz a organização.

A líder indígena Glicélia Tupinambá, da região da Serra do Padeiro, na Bahia, também foi alvo de perseguição. O primeiro ataque ocorreu no dia 12 de novembro, logo que ela retornou da COP26. Ela estava viajando de carro com a família quando o ocupante de outro veículo fez uma manobra de propósito que poderia ter causado um grave acidade.

Alessandra Munduruku também foi alvo de ataques e teve a casa invadida em Santarém, no Pará. Durante a invasão, foram levados diversos documentos, o cartão de memória de uma câmera de segurança e dinheiro. A suspeita é de que o crime seja político contra a organização dos indígenas que são contrários ao garimpo e aos madeireiros que invadem as terras mundurukus. Alessandra também fez parte da comitiva indígena na COP26. A líder integra o Programa de Proteção a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos do Pará e já foi alvo de outros ataques de garimpeiros ilegais.

Em nota, a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI) afirmou que encaminhará um ofício ao Ministério Público Federal (MPF) para que o órgão tome providências e investigue a invasão da casa da liderança indígena.

“A FPMDDPI reforça a necessidade de proteção das lideranças indígenas que lutam em prol da preservação de suas terras. É inadmissível que mais sangue indígena seja derramado por criminosos que invadem as terras de povos originários e causam destruição ambiental, levam doenças e causam estragos irreversíveis”, disse a Frente Parlamentar em nota.

Ainda durante a COP26, no dia 2 de novembro, dois indígenas isolados foram mortos a tiros por garimpeiros na Terra Indígena Yanomami. A Apib também relembra o caso de ataques da Polícia Militar e de seguranças particulares a um acampamento do povo Guarani e Kawowá, no Mato Grosso do Sul. O casos foram registrados nos dias 10 e 11 de novembro.

Em 15 de novembro, um incêndio criminoso foi registrado na Terra Indígena Itapuá, na aldeia Pindó Mirim, em Viamão, no Rio Grande do Sul. Invasores atearam fogo na Casa de Reza e em dois carros dentro da comunidade.

No dia seguinte, a comunidade Tabatinga, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, foi invadida e atacada por policiais do Bope.

Segundo as lideranças da comunidade, a ação foi realizada pela PM durante a retirada de um posto de vigilância e monitoramento que fica dentro da TI. Os relatos, com fotos das lideranças, indicam que seis pessoas ficaram feridas durante a ação, incluindo uma  mulher e o Tuxaua da comunidade Tabatinga. 

A coordenadora da Frente Indígena, deputada Joenia Wapichana (REDE-RR), comentou o fato em sessão plenária da Câmara. “Acabei de receber a informação de que lá na Raposa Serra do Sol, terra indígena reconhecida pelo Supremo, ocorreu uma atuação da Polícia Militar para desativar um trabalho de monitoramento de lideranças indígenas da Raposo Serra do Sol. Isso é muito sério, porque um trabalho de monitoramento contra garimpo é uma questão que os povos indígenas estão enfrentando todos os dias”, afirmou Joenia.

No dia 18 de novembro, a polícia prendeu 20 indígenas do povo Gamela, no Maranhão, que tentavam impedir obras de linha de transmissão. Lideranças indígenas foram colocadas a força dentro de viatura em conflito com funcionários de empresa de energia na Aldeia Cajueiro, na zona rural de Viana.

Em nota, a Apib denunciou os ataques a lideranças indígenas e afirmou que continuará firme na defesa dos povos indígenas do Brasil. “O que precisam entender, no entanto, é que o mundo está assistindo a tudo o que se passa com os Povos Indígenas no Brasil, pois eles têm voz para fazer sua mensagem ecoar Brasil afora! Não arredamos um centímetro de nossa luta!”, diz a nota.

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