Por favor, entregue essa carta ao Pedro

Querido Pedro.

Eu estava aqui fazendo umas contas, dessas que a gente faz para se localizar no tempo e nas mudanças que esse tempo causa em nós, conferi o meu saldo de danos e vi que fazem 8 anos que você foi. Que você foi pra sempre. Assim, não vou dizer que eu nunca imaginei que você fosse antes de mim, até porque você tinha 41 anos à mais do que eu, e vamos combinar, você trocou as minhas fraldas, me deu as mamadeiras de 3 em 3 horas e me ensinou como comer de garfo e faca. Eu ainda lembro da música que você cantava e no final fazia a mágica da bala saindo do meu ouvido e juro que sinto muito pelas vezes que eu dormi na sua nuca enquanto você estava sentado no sofá, aquilo deveria doer. Sabe Pedro, eu sei que a gente não tinha o mesmo sobrenome e você não está na minha certidão de nascimento, mas quando eu precisei de um pai, você esteve lá, então, julguem quem quiser, porque a saudade que eu sinto de você é bem grande.

Mas, como eu ia dizendo, faz 8 anos. Você foi embora jurando que um dia voltava, me diz uma coisa Pedro, cê não pensou que eu ia morrer um pouco quando você decidisse ir embora? Eu sei que pensou. Porque olha, eu fiquei com uma parte da história incompleta, um lado vazio que volta e meia me faz olhar pro céu e te procurar. Você conseguiu proferir meu nome depois do seu derrame, mas eu não sabia que aquilo era uma despedida. Me perdoa. Me desculpa achar que você me veria passar na faculdade, errar no primeiro amor e nos outros que viessem depois, me perdoe por pensar que talvez você até me acompanhasse ao altar junto do meu pai- seu afilhado que um mês depois quis te encontrar aí encima- e vocês se olhassem e se orgulhassem da menina de vocês. Sabe Pedro, eu sinto saudade do seu arroz com macarrão. E saudades do tempo que eu deitava no seu colo, você acariciava meus cabelos e dizia que tudo iria ficar bem e ficava mesmo. Você teve os primeiros olhos com cor de folhas secas e há um tempo eu conheci alguém com os mesmos olhos e quando a gente conversa eu me sinto tão em paz quanto era com você, você iria adorar conhecê-lo, porque ele entende de tudo o que você me ensinou a gostar. Eu aprendi a dirigir, tenho meu dinheiro, construí uma carreira que volta e meia me estressa e eu fecho os olhos chorando, respiro fundo e lembro da amoreira que tinha no fundo da sua casa e a gente colhia para a minha avó fazer geleia. Lembra disso? De nossos dedos roxos de tanto comer amora? Eu lembro. Faz falta.

Olha Pedro, não tô te escrevendo pra cobrar nada, não. Eu só queria uma maneira de te contar que eu rezei para sonhar com você diversas vezes e só aconteceu uma vez nesses últimos 8 anos. Eu tentei acreditar que de alguma maneira a gente se encontraria e eu descobrisse que a sua partida não passou de um sonho ruim, mas não aconteceu. Queria te contar que quando tudo está bem, eu te imagino tocando meu ombro e sorrindo comigo, seja lá onde você estiver. Contar, que meu coração virou mesmo uma caravana de equilibristas e eu me tornei mais complexa do que se imagina. Eu tenho dias de sol, mas quando chove dentro de mim, alaga a cidade. Nessas horas eu lembro de você falando para a minha avó que tinha pena de quem quisesse algum dia mandar em mim ou me entender, não é que cê tinha razão de novo? Só queria esclarecer certinho, que eu tatuei um barquinho de papel no ombro pra registrar na pele tudo o que você me ensinou sobre amor, liberdade, confiança, origamis com papel e fé. Eu ainda como Diamante Negro e penso em você. Ainda escrevo cartões de Natal e lembro que a sua letra era a caligrafia mais perfeita que eu já vi e que registraram meu nome em todas as etiquetas de cadernos do meu ensino fundamental. Como você faz falta Pedro, como eu sinto vontade de te ligar para perguntar se eu posso me apaixonar sem medo pelos olhos que parecem com os seus, será que ele vai saber cuidar de mim e entender que eu tenho dias de silêncios profundos, mas nem por isso é menos amor? Oremos. Cê tá ai? Tá me ouvindo? Pedro?

Se ainda estivéssemos sentados na porta da sua casa vendo o sol se pondo e você com sua bengala me dizendo que por mais que meu pai fosse violento, machista e autoritário, era o jeito dele de mostrar que me amava, será que o tempo pararia naquele segundo e eu conseguiria respirar seu perfume, pela última vez? Eu acreditei, ok? Acreditei que eu tinha tudo para dar certo e tenho buscado isso, mas Pedro, você não poderia ter esperado ao menos o meu filho- que terá seu nome- nascer? Eu só escrevo agora pra dizer que ainda acredito em você e que eu lembro de tudo. Então, me perdoa se vez ou outra eu vou contra seus conselhos e acabo chorando de saudade. Me perdoe se eu fui embora aquele dia correndo porque eu sabia que se você fosse para outra cidade não iria aguentar ficar sem mim, assim como eu não consegui por muito tempo ficar sem você. Me perdoa, demorar 8 anos para dizer abertamente que eu amo você de uma maneira imensurável, que você foi uma das melhores pessoas que eu já conheci na vida e que cada dia depois que você foi ficou incompleto, mas que acima de tudo eu perdoo você. Eu perdoo você ter ido embora, porque eu sei o quanto estava difícil e doloroso. Tudo bem. Porque a melhor parte dessa história toda, foi ter tido a honra de encontrar naquele primo distante, o coração de um pai. A melhor parte disso tudo, é ter sido amada por alguém que era simplesmente um herói. Fica bem aí Pedro, e se puder, cuida de mim. Saudades.

Câmbio. Desligo.

 

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